Comunicação Não-Violenta: O que é e como praticar?

7 abr

Texto do psicólogo Felipe Oliveira, aluno do curso de Especialização de Gestão em Psicologia Escolar

O contexto escolar é nutrido de relações interpessoais baseados em poder e dominação. Pensando em adolescência, o caráter punitivo na comunicação é lei e, dentro da escola, o “valentão” estará sempre em evidência. Tal personagem geralmente é construído a partir de uma relação de submissão entre a figura adequada à norma social e aqueles que destoam da mesma. Geralmente, quanto mais distante da figura padrão do “homem” e da “mulher”, mais os alunos tendem a ser expostos a diferentes tipos de violência.

O autor Frederico Mattos traz esta perspectiva dentro do meio digital, com alguns exemplos do Youtube, em que não faltam palavrões e afrontas mais do que violentas, dotadas de conteúdos explícitos e depreciativos, além de homofóbicos e sexistas. Estes são trechos que desconsideram completamente aquele que está sendo alvejado por ele, tendo como objetivo apenas a própria necessidade do agente de destilar ódio seja para quem for. Narrativas como esta impossibilitam – e de qualquer forma, nem gostariam que houvesse – o diálogo entre as duas partes. A interação entre duas pessoas que visam a construção pressupõe fatores como respeito e horizontalidade, onde ambos possam apresentar seus argumentos e ouvir o outro com humildade e atenção.  Ao nos expressarmos de forma violenta estamos, em última estância, falando mais sobre nós mesmos do que efetivamente nos pondo ao diálogo.

Ressentimento, raiva e frustração são algumas das sensações que podemos sentir ao nos comunicarmos de uma forma naturalmente violenta. Tal prática tende a tornar toda e qualquer relação interpessoal fria, desinteressante e pouco afetiva.

Os comportamentos agressivos na internet têm se acentuado nos últimos anos. Em tempos de pós-verdade, onde qualquer um que tenha opiniões ou traga fatos incongruentes com a pessoalidade do internauta é considerado mentiroso ou inimigo, o personagem social agressivo e depreciador tornou-se protagonista da realidade digital, o que nos leva a refletir sobre uma diferente perspectiva. A internet, sendo núcleo ativo da “Sociedade de informação”, possibilita a criação e proliferação dos “odiadores”, tornando grupal uma figura que, em tempos pré-digitais, seria vista como frio e pouco sociável. Ao endeusarem a figura individual, as redes sociais cumprem papel fundamental na geração de “odiadores”. Estarmos cercados digitalmente de infinita informação é uma ilusão genialmente orquestrada. Tudo o que vemos nas redes é fruto de nossos interesses pessoais. Nossos aparelhos telefônicos são equipados com microfones que gravam nossas conversas e transformam-nas em anúncios comerciais. Selecionados nossos amigos, inimigos e excluídos. A internet não é, de forma alguma, ambiente reforçador de diálogo. O que esta faz é apenas nos aproximar daqueles que são parecidos conosco, e não o contrário, reforçando ainda mais o caráter violento com o diferente.

A abordagem da Comunicação Não-Violenta nasce de conflitos vivenciados pelo psicólogo Marshall Rosenberg na infância. Este, depois de formado, realizou pesquisas sobre os fatores que afetam a capacidade humana de se manter compassivo e através destes estudos compreendeu o papel crucial da linguagem e do uso adequado de palavras. Desenvolveu então uma abordagem que valorizasse e enaltecesse a conexão entre pessoas através da compaixão, conhecida como Comunicação não-violenta (CNV).

A Comunicação Não-Violenta objetiva resgatar no ser humano o que há de melhor: emoções, valores e capacidade de se expressarem com honestidade, tendo atenção ativa voltada para o outro através da empatia, ou como diz o autor “mergulhando nas verdadeiras necessidades do outro e não em sua vontade de parecer altruísta”.

Na tentativa de estruturar e tornar a prática não violenta uma opção possível, Marshall identifica quatro componentes principais da Comunicação Não-Violenta, sendo eles:

  1. Como se expressar com honestidade;
  2. Como ajudar os outros e ouvir com verdadeira empatia;
  3. Compaixão consigo mesmo;
  4. Raiva;

No primeiro passo, o autor desmembra o tópico em algumas partes. Estas partes trabalham a importância do reconhecimento dos próprios sentimentos e como usá-los para demonstrar suas insatisfações em momentos de stress. Um diálogo resolutivo deve levar em consideração o interesse do comunicador em efetivamente solucionar o problema, e não apenas verbalizar o que sente de maneira agressiva e tóxica. Exalta-se também a neutralidade frente a observação, priorizando sempre uma leitura descritiva dos fenômenos apresentados. Julgar a posição do outro não é axioma de uma linguagem resolutiva e não-violenta. Marshall também aponta a necessidade de reconhecer nossos próprios sentimentos e aceitar que eventos externos são apenas gatilhos motivacionais para descarga de possíveis angústias não relacionadas com a experiência em questão. É importante salientar que a comunicação não-violenta não é sinônimo de passividade. Enquanto parcela fundamental de um diálogo, o comunicador não-violento não só reconhece os sentimentos do outro, mas também demonstra as suas próprias limitações, afim de resolver o problema da melhor maneira possível.

O segundo passo consiste no aprendizado acerca da escuta empática. O autor disserta sobre a constante necessidade que temos de resolver o problema da nossa perspectiva, sem dar espaço para o outro e exemplifica isto com situações de luto. Existem diversas abordagens as quais podemos aderir para conversar com alguém que recentemente perdeu um ente querido. Porém, grande parte das vezes estabelecemos uma relação hierárquica entre nós e o outro, numa lógica vertical de relacionamento. “Eu” não estou passando por isso e meu papel é trazer a pessoa que está para meu estado de não-sofrimento. Essa ideia torna a responsabilidade unilateral e não pensa na vivência daquele que está sofrendo. Apesar de termos sempre boas intenções, comentários como “Não fique assim” e “Vai passar, tudo passa” abafam a experiência do indivíduo, tornando aquele momento importante “só” uma fase passageira e não digna de atenção. A empatia faz com que escutemos ativamente a experiência, e não só na esfera verbal. Ler e interpretar a linguagem não verbal do indivíduo é fundamental para que participemos da experiência do mesmo, ainda que isso signifique permanecer em silêncio.

O terceiro passo é a “compaixão consigo mesmo”. Neste tópico, o autor defende a importância de tratarmos a nós mesmos com empatia, frente a problemas apresentados como oriundos das nossas ações. Julgar-se afim de amenizar a situação também é o desperdício de uma oportunidade de crescimento, além de potencializar situações de stress e má resolução de conflitos com demais pessoas envolvidas. Em linhas gerais, o autor enaltece a possibilidade de, ao invés de procurar uma “solução” simples de autoacusação, prefere-se identificar todas as variáveis e forças em jogo afim de se colocar alinhado com os valores presentes na situação.

Por fim, o quarto e último passo da comunicação não-violenta é a raiva. Dentro da CNV, a raiva é identificada como uma máscara que esconde a realidade frágil de um indivíduo frente a situação exposta. A vulnerabilidade não tem espaço na atuação de uma pessoa “durona”, que evita constantemente ser alcançada através do diálogo empático e construtivo. Frente a acessos de raiva, é necessário que se respire fundo e analise a situação cuidadosamente. Raramente a situação em si é a desencadeadora da raiva. Na maioria das vezes, em contrapartida, a emoção aflorada advém do significado atribuído por nós frente ao fenômeno experienciado.

A CNV, aliada a mediação de conflitos, traz muitos benefícios para ambientes nos quais o conflito é constante, comprovando eficácia e utilidade no contexto escolar. Em tempos de conexões digitais e hipervalorização do egocentrismo, olhar para o outro sem julgamentos é um ato de coragem e, para que isso aconteça, empatia e neutralidade frente ao outro são conceitos fundamentais. Através da capacitação correta, a CNV tem caráter duradouro e atravessa gerações dentro de escolas. A psicologia aliada a gestão torna essas práticas possíveis. Tornar-se empático e promover o acolhimento, em uma realidade hostil, é sinônimo de coragem. A violência e a discriminação são grandes monstros hostis que permeiam toda a realidade escolar, sendo dignas de enfrentamento por todos os segmentos da comunidade. Não pode haver mudança estrutural se ela não partir de todos. Como diz M.S. Cortella: “Se correr, o bicho pega… Se ficar, o bicho come. Se juntar, o bicho foge.”

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